domingo, 16 de maio de 2010

Cego Aderaldo O Mito Da Cultura Popular Do Brasil



Existem figuras mitológicas dentro da nossa Cultura Popular, existiram, mas devido a sua qualidade e genialidade mudou de categoria, um dos nomes dessa nobrecategoria, é o do Cego Aderaldo, figura maravilhosa e incontestável como poeta, violeiro e cantador, esse é o homenageado de hoje do “A Arte Do Meu Povo

Encontrei, na minha pesquisa, sobre o Cego Aderaldo diversos sites falando sobre ele, escolhi as palavras do wikipedia, que seguem:




“Aderaldo Ferreira de Araújo (nasceu no Crato, no dia 24 de junho de 1878 e viajou antes do combinado em Fortaleza,no dia 29 de junho de 1967), mais conhecido como "Cego Aderaldo" foi um poeta popular cearense que se destacou por seu raciocínio rápido improvisando rimas e repentes.
O cego Aderaldo descobriu o dom da rima em Quixadá, pouco depois de perder a visão em um acidente. Segundo o próprio, a descoberta ocorreu quando teve um sonho em versos. Quando sua mãe faleceu, cego Aderaldo decidiu viajar pelo sertão nordestino fazendo suas rimas.
Em 1914, disputou um desafio de rimas com Zé Pretinho (conhecido repentista do Piauí). Sua desenvoltura no desafio o consagrou definitivamente. O duelo dos dois poetas foi registrado por Firmino Teixeira do Amaral no cordel A peleja de Cego Aderaldo e Zé Pretinho.
Cego Aderaldo morreu em Fortaleza aos 89 anos, sem nunca ter casado, criando porém 24 filhos adotivos.”




Quem a paca cara compra, paca cara pagará!
(Peleja com Zé Pretinho dos Tucuns)
Cego Aderaldo
(Aderaldo Ferreira de Araújo)



Apreciem, meus leitores,
Uma forte discussão,
Que tive com Zé Pretinho,
Um cantador do sertão,
O qual, no tanger do verso,
Vencia qualquer questão.
Um dia, determinei
A sair do Quixadá
— Uma das belas cidades
Do estado do Ceará.
Fui até o Piauí,
Ver os cantores de lá.
Me hospedei na Pimenteira
Depois em Alagoinha;
Cantei no Campo Maior,
No Angico e na Baixinha.
De lá eu tive um convite
Para cantar na Varzinha.
Quando cheguei na Varzinha,
Foi de manhã, bem cedinho;
Então, o dono da casa
Me perguntou sem carinho:
— Cego, você não tem medo
Da fama do Zé Pretinho?
Eu lhe disse: — Não, senhor,
Mas da verdade eu não zombo!
Mande chamar esse preto,
Que eu quero dar-lhe um tombo
— Ele chegando, um de nós
Hoje há de arder o lombo!
O dono da casa disse:
— Zé Preto, pelo comum,
Dá em dez ou vinte cegos
— Quanto mais sendo só um!
Mando já ao Tucumanzeiro
Chamar o Zé do Tucum.
Chamando um dos filhos, disse
Meu filho, você vá já
Dizer ao José Pretinho
Que desculpe eu não ir lá
— E que ele, como sem falta,
Hoje à noite venha cá.
Em casa do tal Pretinho,
Foi chegando o portador
E dizendo: — Lá em casa
Tem um cego cantador
E meu pai mandou dizer-lhe
Que vá tirar-lhe o calor!
Zé Pretinho respondeu:
— Bom amigo é quem avisa!
Menino, dizei ao cego
Que vá tirando a camisa,
Mande benzer logo o lombo,
Porque vou dar-lhe uma pisa!
Tudo zombava de mim
E eu ainda não sabia
Se o tal do Zé Pretinho
Vinha para a cantoria.
As cinco horas da tarde,
Chegou a cavalaria.
O preto vinha na frente,
Todo vestido de branco,
Seu cavalo encapotado,
Com o passo muito franco.
Riscaram duma só vez,
Todos no primeiro arranco
Saudaram o dono da casa
Todos com muita alegria,
E o velhote, satisfeito,
Folgava alegre e sorria.
Vou dar o nome do povo
Que veio pra cantoria:
Vieram o capitão Duda Tonheiro,
Pedro Galvão, Augusto Antônio Feitosa,
Francisco, Manoel Simão,
Senhor José Campineiro,
Tadeu e Pedro Aragão.
O José das Cabaceiras
E o senhor Manoel Casado,
Chico Lopes, Pedro Rosa
E o Manoel Bronzeado,
Antônio Lopes de Aquino
E um tal de Pé-Furado.
Amadeu, Fábio Fernandes,
Samuel e Jeremias,
O senhor Manoel Tomás,
Gonçalo, João Ananias
E veio o vigário velho,
Cura de Três Freguesias.
Foi dona Merandolina,
Do grêmio das professoras,
Levando suas duas filhas,
Bonitas, encantadoras
— Essas duas eram da igreja
As mais exímias cantoras.
Foi também Pedro Martins,
Alfredo e José Segundo,
Senhor Francisco Palmeira,
João Sampaio e Facundo
E um grupo de rapazes
Do batalhão vagabundo.
Levaram o negro pra sala
E depois para a cozinha;
Lhe ofereceram um jantar
De doce, queijo e galinha
— Para mim, veio um café
E uma magra bolachinha.
Depois, trouxeram o negro.
Colocaram no salão,
Assentado num sofá,
Com a viola na mão,
Junto duma escarradeira,
Para não cuspir no chão.
Ele tirou a viola
De um saco novo de chita,
E cuja viola estava
Toda enfeitada de fita.
Ouvi as moças dizendo:
— Oh, que viola bonita!
Então, para eu me sentar,
Botaram um pobre caixão,
Já velho, desmantelado,
Desses que vêm com sabão.
Eu sentei-me, ele vergou
E me deu um beliscão.
Eu tirei a rabequinha
De um pobre saco de meia,
Um pouco desconfiado
Por estar em terra alheia.
Aí umas moças disseram:
— Meu Deus, que rabeca feia!
Uma disse a Zé Pretinho:
— A roupa do cego é suja!
Botem três guardas na porta,
Para que ele não fuja
Cego feio, assim de óculos,
Só parece uma coruja!
E disse o capitão Duda,
Como homem muito sensato:
— Vamos fazer uma bolsa!
Botem dinheiro no prato
— Que é o mesmo que botar
Manteiga em venta de gato!
Disse mais: — Eu quero ver
Pretinho espalhar os pés!
E para os dois contendores
Tirei setenta mil réis,
Mas vou completar oitenta
— Da minha parte, dou dez!
Me disse o capitão Duda:
— Cego você não estranha!
Este dinheiro do prato,
Eu vou lhe dizer quem ganha:
Só pertence ao vencedor
— Nada leva quem apanha!
E nisto as moças disseram:
— Já tem oitenta mil réis,
Porque o bom capitão Duda,
Da Parte dele, deu dez...
Se acostaram a Zé Pretinho,
Botaram mais três anéis.
Então disse Zé Pretinho:
— De perder não tenho medo!
Esse cego apanha logo
— Falo sem pedir segredo!
Como tenho isto por certo,
Vou pondo os anéis no dedo...
Afinemos o instrumento,
Entremos na discussão!
O meu guia disse pra mim:
— O negro parece o Cão!
Tenha cuidado com ele,
Quando entrarem na questão!
Então eu disse:
— Seu Zé, Sei que o senhor tem ciência
— Me parece que é dotado
Da Divina Providência!
Vamos saudar este povo,
Com sua justa excelência!
PRETINHO
— Sai daí, cego amarelo,
Cor de couro de toucinho!





Um cego da tua forma
Chama-se abusa-vizinho
— Aonde eu botar os pés,
Cego não bota o focinho!
CEGO
— Já vi que seu Zé Pretinho
É um homem sem ação
Como se maltrata o outro
Sem haver alteração?!...
Eu pensava que o senhor
Tinha outra educação!
P.
— Esse cego bruto, hoje,
Apanha, que fica roxo!
Cara de pão de cruzado,
Testa de carneiro mocho
— Cego, tu és o bichinho,
Que comendo vira o cocho!
C.
— Seu José, o seu cantar
Merece ricos fulgores;
Merece ganhar na saia
Rosas e trovas de amores
— Mais tarde, as moças lhe dão
Bonitas palmas de flores!
P.
— Cego, eu creio que tu és
Da raça do sapo sunga!
Cego não adora a Deus
— O deus do cego é calunga!
Aonde os homens conversam,
O cego chega e resmunga!
C.
— Zé Preto, não me aborreço
Com teu cantar tão ruim!
Um homem que canta sério
Não trabalha verso assim
— Tirando as faltas que tem,
Botando em cima de mim!
P.
— Cala-te, cego ruim!
Cego aqui não faz figura!
Cego, quando abre a boca,
É uma mentira,pura
— O cego, quanto mais mente,
Ainda mais sustenta e jura!
C.
— Esse negro foi escravo,
Por isso é tão positivo!
Quer ser, na sala de branco,
Exagerado e altivo
— Negro da canela seca
Todo ele foi cativo!
P.
— Eu te dou uma surra
De cipó de urtiga,
Te furo a barriga,
Mais tarde tu urra!
Hoje, o cego esturra,
Pedindo socorro
— Sai dizendo: — Eu morro!
Meu Deus, que fadiga!
Por uma intriga,
Eu de medo corro!
C.
— Se eu der um tapa
No negro de fama,
Ele come lama,
Dizendo que é papa!
Eu rompo-lhe o mapa,
Lhe rompo de espora;
O negro hoje chora,
Com febre e com íngua
— Eu deixo-lhe a língua
Com um palmo de fora!
P.
—No sertão, peguei
Cego malcriado
— Danei-lhe o machado,
Caiu, eu sangrei!
O couro eu tirei
Em regra de escala:
Espichei na sala,
Puxei para um beco
E, depois de seco,
Fiz mais de uma mala!
C.
—Negro, és monturo,
Molambo rasgado,
Cachimbo apagado,
Recanto de muro!
Negro sem futuro,
Perna de tição,
Boca de porão,
Beiço de gamela,
Vento de moela,
Moleque ladrão!
P.
— Vejo a coisa ruim
— O cego está danado!
Cante moderado,
Que não quero assim!
Olhe para mim,
Que sou verdadeiro,
Sou bom companheiro
— Canto sem maldade
E quero a metade,
Cego, do dinheiro!
C.
— Nem que o negro seque
A engolideira,
Peça a noite inteira
Que eu não lhe abeque
— Mas esse moleque
Hoje dá pinote!
Boca de bispote,
Vento de boeiro,
Tu queres dinheiro?
Eu te dou chicote!
P.
— Cante mais moderno,
Perfeito e bonito,
Como tenho escrito
Cá no meu caderno!
Sou seu subalterno,
Embora estranho
— Creio que apanho
E não dou um caldo...
Lhe peço, Aderaldo,
Que reparta o ganho!
C.
— Negro é raiz
Que apodreceu,
Casco de judeu!
Moleque infeliz,
Vai pra teu país,
Se não eu te surro,
Te dou até de murro,
Te tiro o regalo
— Cara de cavalo,
Cabeça de burro!
P.
— Fale de outro jeito,
Com melhor agrado
— Seja delicado,
Cante mais perfeito!
Olhe, eu não aceito
Tanto desespero!
Cantemos maneiro,
Com verso capaz
— Façamos a paz
E parto o dinheiro!
C.
— Negro careteiro,
Eu te rasgo a giba,
Cara de gariba,
Pajé feiticeiro!
Queres o dinheiro,
Barriga de angu,
Barba de guandu,
Camisa de saia,
Te deixo na praia,
Escovando urubu!
P.
— Eu vou mudar de toada,
Pra uma que mete medo
— Nunca encontrei cantador
Que desmanchasse este enredo:
É um dedo, é um dado, é um dia,
É um dia, é um dado, é um dedo!
C.
— Zé Preto, esse teu enredo
Te serve de zombaria!
Tu hoje cegas de raiva
E o Diabo será teu guia
— É um dia,
é um dedo, é um dado,
É um dado, é um dedo, é um dia!
P.
— Cego, respondeste bem,
Como quem fosse estudado!
Eu também, da minha parte,
Canto versos aprumado
— É um dado, é um dia, é um dedo,
É um dedo, é um dia, é um dado!
C.
— Vamos lá, seu Zé Pretinho,
Porque eu já perdi o medo:
Sou bravo como um leão,
Sou forte como um penedo
É um dedo, é um dado, é um dia,
É um dia, é um dado, é um dedo!
P.
— Cego, agora puxa uma
Das tuas belas toadas,
Para ver se essas moças
Dão algumas gargalhadas
— Quase todo o povo ri,
Só as moças 'tão caladas!
C.
— Amigo José Pretinho,
Eu nem sei o que será
De você depois da luta
— Você vencido já está!
Quem a paca cara compra
Paca cara pagará!
P.
— Cego, eu estou apertado,
Que só um pinto no ovo!
Estás cantando aprumado
E satisfazendo o povo
— Mas esse tema da paca,
Por favor, diga de novo!
C.
— Disse uma vez, digo dez
— No cantar não tenho pompa!
Presentemente, não acho
Quem o meu mapa me rompa
— Paca cara pagará,
Quem a paca cara compra!
P.
— Cego, teu peito é de aço
— Foi bom ferreiro que fez
— Pensei que cego não tinha
No verso tal rapidez!
Cego, se não é maçada,
Repete a paca outra vez!
C.
— Arre! Que tanta pergunta
Desse preto capivara!
Não há quem cuspa pra cima,
Que não lhe caia na cara
— Quem a paca cara compra
Pagará a paca cara!
P.
— Agora, cego, me ouça:
Cantarei a paca já
— Tema assim é um borrego
No bico de um carcará!
Quem a caca cara compra,
Caca caca cacará!
Houve um trovão de risadas,
Pelo verso do Pretinho.
Capitão Duda lhe disse:
—Arreda pra lá, negrinho!
Vai descansar o juízo,
Que o cego canta sozinho!
Ficou vaiado o pretinho.
E eu lhe disse:
— Me ouça, José: quem canta comigo
Pega devagar na louça!
Agora, o amigo entregue
O anel de cada moça!
Me desculpe, Zé Pretinho,
Se não cantei a teu gosto!
Negro não tem pé, tem gancho;
Tem cara, mas não tem rosto
— Negro na sala dos brancos
Só serve pra dar desgosto!
Quando eu fiz estes versos,
Com a minha rabequinha,
Busquei o negro na sala,
Mas já estava na cozinha
— De volta, queria entrar
Na porta da camarinha!






Cantorias
Cego Aderaldo
(Aderaldo Ferreira de Araújo)
blockquote>Relata o Cego Aderaldo:

"Em Belém do Pará eu conheci muitos cantadores. Mas o mais afamado, que emendou a camisa comigo, foi o índio Azuplim. Nossa batida foi a que se segue..."

Eu saí do Ceará
Deixei meu triste mocambo,
Com medo do dezenove,
Este pesadelo bambo.
Vinha o coronel Monturo
Junto com doutor Molambo...
A dona fome na frente,
Na cadeira do trapiche,
Dizendo: No Ceará
Tudo é fofo e nada é fixe.
Juro que aqui nesta terra
Não vinga mais nem maxixe...
A dona Fome me olhou
E disse a mim: — Eu pego!
Eu disse: — Não senhora!
Eu sei por onde navego,
Quem tem vista corre logo,
Quanto mais eu sendo cego...
Segui para Fortaleza,
Dei uma viagem além.
O barco era o "Maranhão",
E até corria bem,
Com três dias e três noites
Chegando nós em Belém...
Quando eu cheguei em Belém,
Me encostei naquele cais.
— Aonde vai esta linha?
Eu perguntei a um rapaz
Ele disse: — Nesta linha
Passa um trem para São Brás...
Eu parti para São Bras,
Para casa de Gaudêncio
Que já conhecia bem,
Ele, Salina e Merêncio;
Junto estes amigos
Não pude guardar silêncio...
Fui para Madre de Deus,
Terra de um povo fiel,
Ali ganhei qualquer cousa
Tomei açaí com mel,
De manhã peguei o trem,
Fui para Santa Isabel...
Depois fui para Americana,
Cantei lá no Apéu,
Do sitio de São Luís
Eu fui pra Jambuaçu;
Eu cantei no Castanhal,
E no Igarapeaçu...
No primeiro Caripi
Eu cantei, lá fui feliz,
No segundo Caripi
Cantei tudo quanto quis,
E ali tomei o trem,
Fui cantar em São Luís....
Ali chegou um convite,
Eu para Muricizeira,
Depois, cantei no Burrinho
Cantei no Açaí Teuã...
Fui cantar no Timboteuã...
Segui para Capanema
Com coragem e esperança.
Passei uns dois ou três dias
E segui para Bragança,
Dizendo sempre comigo:
— Quem espera em Deus não cansa...
Quando eu cheguei em Bragança,
Não quis ir no Benjamim,
Não encontrando hospedagem,
Me hospedei num botequim,
Que era coberto e cavaco
E circulado a capim...
O dono do botequim
Veio a mim e perguntou:
— Cego de onde tu és?
Me diga se é cantador.
Me diga se não tem medo
De azuplim trovador...
Me perguntei: — Não senhor!
Será algum rio-grandense
Ou mesmo um paraibano,
Ou um cantador cearense?
Ele disse: — Não senhor,
É um cantor paraense...
Quando findei a palavra
Vi o paraense chegar,
Ele trazia consigo
Uma viola e um ganzá,
E trazia um tamborim,
Que é instrumento de lá...
Ele afinou a viola,
Quando bateu no ganzá,
Deu um tom no tamborim
Para o baião entoar,
Eu tirei a rabequinha
E fiz a prima chorá...
Cego — Eu lhe disse: — Oh! Paraense,
És uma ninfa de fada,
Teu cântico me parece
A deusa da madrugada.
Eu lhe peço, amicíssimo,
Que cante a sua toada...
Azuplim — Cego, minha toada é,
Um trabalhador garantido.
Você pra cantar mais eu
Precisa ser aprendido,
Queira Deus tu me acompanhe, ai ai!
Pra cantar nesse gemido...
C — Meu amigo, o teu gemido,
Tem destacado valor,
Canta bem perfeitamente,
Já vi que é bom cantador,
Mas amigo, esse gemido,
Me desculpe , que eu não dou...
A — Se num dás um só gemido
Também não és cantador,
Vá cobrar logo o dinheiro.
Do mestre que lhe ensinou, ai, ai!
O cego já apanhou...
C — Se gemer foi cantoria,
Você é bom cantador,
Pois gemes perfeitamente,
No gemido tem valor,
Mas geme com grande dor...
A — Ou que gema ou que não gema,
A boa palavra encerra,
Cego, cante aqui mais eu,
Que eu vim lhe fazer guerra,
Quero que você me diga, ai, ai!
A linguagem da minha terra...
C — A linguagem da tua terra,
Não é linguagem mesquinha,
É toda no guarani
Estudada, é bonitinha!
Para que não perguntaste
A linguagem da terra minha?...
A — Eu quero é que diga da minha
Por que muda de figura:
Cego, diga para mim
O que nós chama mucura,
Quero que você me diga, ai, ai!
O que é saracura...
C — É verdade, essa linguagem
Muda mesmo de figura,
O que nós chama casaco
Vocês só chamam mucura
E o que nós chama sericóia
Vocês chamam saracura...
A — Cego, diga para mim:
O que é jamaru?
Queira Deus você me diga
O que é jacuraru,
O que é macuracar ai, ai!
O que nós chama jambu...
C — É o que nós chama cabeça,
Vocês chama jamaru,
O que nós chama tejo,
Vocês chama jacuraru,
Tipi é mucuracar,
E agrião chamam jambu...
A — Cego, diga para mim
O que nós chama jibóia,
Quero que você me diga
O que é tiranabóia,
Diga aí pra eu saber, ai, ai!
O que é "pegando a bóia"...
C — No Piauí tem um besouro
De nome tiranabóia,
Nossa cobra-de-veado
Cresce aqui, chamam jibóia,
Em minha terra almoço e janto,
... tanto aqui só "pego a bóia"...
A — Cego, diga para mim
O que é a sacupema,
Veja se você me diz
O que é piracema,
Diga aí rapidamente, ai, ai!
O que nós chama panema...
C — O que nós chama raiz
Vocês chama sacupema,
O que nós chama peixe muito
Vocês chamam piracema;
A um sujeito preguiçoso
Chega aqui chamam panema...
A — Cego, diga para mim
A língua dos Tupinambá,
A língua dos Aimoré,
Ou dos índios Caetá,
Ou sobre os índios Tamoios
Ou índios Tamaracá...
C — Sobre as gírias dos índios,
Desde o Norte até o Sul,
Pixueira é coisa fria,
Um beijo chama meiru,
Tacioca é uma é uma casa,
Morada de caititu...
A — Agora o cego Aderaldo
Me respondeu muito bem,
Vi que gírias dos índios,
Ele segue mais além,
Pelo jeito que estou vendo
Você é índio também...
C — Meu amigo eu não sou índio,
Nasci num pobre lugar:
Que é tão propenso a seca
Que obriga agente emigra
Sol danado de Iracema,
Terra de Zé de Alencar...
A — Cego, deixa de mentira,
Tua terra não tem nome,
Tua terra é uma miséria,
É lugar que não se come,
De lá veio cinco mil,
Tudo pra morrer de fome...
C — Dos cinco mil que vieram
Algum era meu parente,
Uma era tio, outro primo,
Conterrâneo e aderente,
Mais esse povo só come
Massa de figo de gente...
A — Saí daí, cego canalha,
Com a sua poesia,
Nesta minha carretilha
Você hoje se esbandalha,
Teu cântico tem grande falha,
Quer cantar mais não convém...
Você somente o que tem
É entrar no bacalhau;
Apanhar de peia e pau
Cearense aqui não vai bem...
C — De onde tu vens contrafeito,
Cabeça de onça mancho,




Bote o matulão abaixo
E conte a história direito,
Me diga o que aqui tem feito
Por estes mundos além,
Se você matou alguém
Ou então se fez barulho,
Vai muito mau seu embrulho,
Paraense aqui não vai bem...
A — Quando eu pego um cantador
Dou três tacada danada,
Lhe deixo a cara inchada
De relho e chiquerador,
É o café que lhe dou,
É isto que lhe dou,
E não diz nada a ninguém,
Apanha e fica calado,
Triste e desmoralizado
Cearense aqui não vai bem...
C — Disse uma velha na rua
Que em outros tempos atrás
Você e um seu rapaz
Lhe roubaram uma perua;
Veja que moda esta sua
Roubando quem vai, quem vem,
Como tu não tem ninguém
Mais ladrão do que você.
Tome lá meu parecer:
Paraense aqui não vai bem...
A — O cantador que eu pegar
Pelo meio da travessa
Nem Padre lhe confessa
Enquanto eu não lhe soltar,
Dou-lhe arrocho de lhe quebra,
Osso e costela também,
Quebro tudo que ele tem,
Deixo-lhe o corpo em bagaço,
Tudo quanto eu digo eu faço,
Cearense aqui não vai bem...
C — Até as moças donzelas
Pediram aos cabras da feira
Para meter-lhe a madeira
E arrebentar-lhe as costelas.
Você abra o olho com elas,
Boa surra você tem,
Boa surra você tem,
Neste dia também vem
A velhinha da perua
Quebrar-lhe a cara na rua,
Paraense aqui não vai bem...
A — Também não quero brigar,
Não sou homem de intriga,
Eu não nasci para briga
E não vivo de pelejar;
Também não quero teimar
Porque isso não convém,
Lhe venero e quero bem,
Digo isso pode crer;
Não quero lhe aborrecer,
Cearense aqui vai bem...
C — Amigo, como mudou,
Que coisa misteriosa!
Tens o perfume da rosa
Que a pouco desabrochou.
Por isso tem o maior verdor
Do que lá no bosque tem.
O anjo lá de Belém
Ouviu nossa cantoria,
Entrarmos em harmonia,
Paraense aqui vai bem...
Havia quatro cervejas
Que um coronel apostou
Dizendo que todas quatro
Pertencem ao vendedor
Nós dois bebemos as cervejas
Nem um nem outro apanhou...





Abaixo palavras de poeta:

"No navio eu via com os olhos da alma o meu Ceará, minha pobre terra perseguida, que eu sentia ficando distante. E cantei então:

-Canto para distrair,
Este meu curto poema:
Vou fugindo da miséria
Que é este o penoso tema,
Desta terra de Alencar,
Deste berço de Iracema.
Fugi com medo da seca,
Do pesadelo voraz
Que alarmou todo o sertão
Da cidade aos arraiais.- "


As três lágrimas
(Cego Aderaldo)


“Eu ainda era pequeno
mas me lembro bem
de ver minha pobre Mãe
em negra viuvez.
Meu pai jazia morto
Estendido em um caixão
Pelo primeira vez!
E a pobre minha Mãe
Daquilo estremeceu:
De uma moléstia forte
A minha mãe morreu.
Fiquei coberto de luto
E tudo se desfez
E eu chorei então
Pela segunda vez.
Então, o Deus da Glória,
O mais sublime artista,
Decretou lá do Céu,
Perdi a minha vista.
Fiquei na escuridão,
Ceguei com rapidez
E eu chorei então
Pela terceira vez.
Meus prantos se enxugaram.
Das lágrimas que corriam
Chegou-me a poesia
E eu me consolei.
Sem pai, sem mãe, sem Vista,
Meus olhos se apagaram;
Tristonhos se fecharam
E eu nunca mais chorei.”





"E VIVA A ARTE DO MEU POVO"

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